Viagem a uma pintura: 'Quadrado', de Giorgio de Chirico

Anonim

'Quadrado' de Giorgio de Chirico

'Quadrado', de Giorgio de Chirico

Uma rua deserta causa uma sensação de irrealidade. Leva ao sonho, à ficção científica ou à distopia. Também à reflexão. Vitruvius já apontava que arquitetura e linguagem respondem ao mesmo momento na evolução do ser humano. O vazio é silêncio, e o silêncio favorece a fala sobre o ruído.

No século XV, dentro Urbino, várias cenas que retratam a cidade idealizada. São vistas urbanas em que se erguem edifícios circulares, pórticos, arcos triunfais e templos. A perspectiva impõe ordem e equilíbrio em um lugar que é apenas uma ideia. Como em um projeto arquitetônico, a ausência de figuras indica que a imagem não pertence à realidade.

olhando esses trabalhos inquietação é difícil de suprimir. A reação leva a considerá-los cenários que aguardam a chegada dos atores, pois é impensável que as ruas estejam vazias em plena luz do dia. A ágora era o núcleo da polis grega. O fórum romano era cercado por edifícios destinados ao comércio, administração e culto. O despovoado faz parte do rústico. Urbano é agitação. A solidão contradiz um ambiente que responde ao encontro e ao compartilhamento.

Giorgio de Chirico ele partiu dessa tradição nas arquiteturas que pintou depois de 1911. Ele cresceu na Grécia. Na Itália, seguiu os passos de Nietzsche, a quem admirava. "Toda a nostalgia do infinito nos é revelada por trás da precisão geométrica do quadrado", disse o filósofo. Os pórticos de Turim revelaram o significado desta afirmação.

O pintor se estabeleceu em Paris. Em seu estúdio ele fixou a imagem em uma série de telas que deram forma a um novo gênero: a pintura metafísica. O espaço é sempre o mesmo. Duas arcadas vazias ladeiam uma área de terra. As janelas do primeiro andar estão fechadas. anoitecer As sombras reforçam o efeito onírico.

Cidade ideal Urbino 1480 1490

Cidade ideal, Urbino, 1480 - 1490

Na obra que pintou em 1913 ele distingue uma cidade no horizonte. A chaminé indica a existência de uma fábrica. Um trem de carga está se aproximando. Dois homens têm uma conversa estática na beira da praça. Acima deles está uma estátua. O monumento comemora um herói com uma espada. Em primeiro plano, outro pedestal está vazio. O que merece ser lembrado está ausente.

Nada acontece. Tudo é enigma. A sombra do herói cobre o pavimento. Ele está de costas, então é impossível para nós saber qual foi sua façanha. O tempo, suspenso, não avança. O trem, único sinal de atividade, corre ao longo da linha férrea e se afasta. A vida se desenrola em outro lugar, fora da pintura.

De Chirico sentiu-se, como Dürer, nascido sob o signo de Saturno. Foi melancólico. Ele considerou que este estado de consciência lhe permitia penetrar além das aparências e contemplar o mistério que estava escondido atrás da realidade. Para ele, o metafísico residia em as casas, as praças e os jardins, os portos e as estações. O enigma não poderia ser resolvido pela lógica, mas pela a intuição. A criação envolveu o mesmo trabalho que o adivinho em um oráculo.

Para fazer isso, ele recompôs os fragmentos repetidamente: uma torre, uma estátua, uma escultura clássica, um relógio, uma caixa. Como nas tragédias de Sófocles, o espaço arquitetônico era um quadro de reflexão e revelação.

Ele escreveu: “Nós que conhecemos os sinais do alfabeto metafísico sabemos que alegrias e dores estão escondidas dentro de um alpendre, numa esquina, ou mesmo numa sala, na superfície de uma mesa, entre as laterais de uma caixa.”

A chave para o absurdo, para o absurdo que percorre uma cidade vazia, está no olhar de quem a percorre.

Plaza, de Giorgio de Chirico, está exposto nas salas de arte do entreguerras do Museu de Belas Artes de Buenos Aires.

O enigma de um dia 1914

O enigma de um dia, 1914

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