Sálvora: uma ilha galega selvagem e três heroínas

Anonim

a ilha das mentiras

Aquela rocha arredondada característica de Sálvora.

“Um thriller destemido estrelado por nossas avós de lenço na cabeça.” É assim que o diretor gosta Paula Contras definir The Island of Lies (estreia em 24 de julho no Filmin), o filme que finalmente tira do esquecimento as heroínas de Sálvora, três mulheres, María Fernández, Josefa Parada e Cipriana Oujo, que na madrugada de 1 a 2 de janeiro de 1921 se lançaram ao mar em busca de sobreviventes do maior naufrágio da costa galega, o Santa Isabel, ou o Titanic galego.

"Na verdade, sou jornalista e sempre gosto de escrever coisas baseadas em histórias reais", explica Cons, que estreia na ficção com este longa-metragem. "Além disso, domino bastante a história da Galiza e fiquei muito surpreso quando de repente um amigo me procurou, também jornalista, que tinha visto uma pequena exposição sobre o naufrágio... E eu não fazia ideia dessa tragédia, nem dessas senhoras, Fiquei totalmente maravilhado, comecei a puxar o fio e definitivamente fui fisgado por eles”.

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As três heroínas de Sálvora.

As três mulheres (jovens, pois nenhuma tinha mais de 25 anos) eram Sálvora, a maior ilha que dá nome ao arquipélago, faz parte do Parque Nacional Marítimo Terrestre das Illas Atlánticas de Galicia desde 2008. Sálvora fecha o estuário de Arosa a norte. Como dizem no filme, "É o quebra-mar da costa continental." A sua orografia única demonstra esse flagelo histórico e constante na sua rochas graníticas arredondadas, chamadas de boliche. Aqueles skittles contra os quais o Santa Isabel, um grande transatlântico que pegava passageiros entre Bilbao e Cádiz e depois seguia para a Argentina, colidiu naquela noite fatídica.

“Na realidade, foi como uma concatenação de azar: um farol antigo e muito pequeno num local onde há tempestades, um farol muito maior ao lado, que estava à espera de um oftalmologista há 16 anos… teorias: como o capitão estava indo, a tempestade…”, diz Cons. Ela decidiu preencher as lacunas deixadas pela história real com alguma lenda galega. “Fabuloso com muitos elementos lendários ou verdadeiros da história e da costa da Galiza. Como os raqueiros (piratas da terra que faziam afundar navios com tochas para depois guardar o saque), que são muito da Costa da Morte, por isso é chamada de Costa da Morte”.

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A cor daquelas águas atlânticas.

María, Josefa e Cipriana pularam no mar em dorcas, nos barcos rudimentares e pesados eles tinham então, sem pensar duas vezes. Naquela noite quase não havia mais ninguém na aldeia de Sálvora, povoada por colonos, e eles horas foram gastas remando para resgatar 48 pessoas (outras 213 morreram). “Eles eram provavelmente os melhores marinheiros que você poderia encontrar na época”, diz Cons.

Quando a notícia chegou ao continente, eles transformaram essas três mulheres (mais uma quarta que não pulou no mar) em heroínas, prestaram-lhes homenagens merecidas, recompensaram-nas com dinheiro e medalhas. Até que um dia a imprensa decidiu denegrir a façanha e os culpou por terem roubado os mortos. “Talvez, se fossem homens, não ousassem manchar seus nomes e saberíamos sobre eles hoje. Mas foi tão simples como alguém levantar um falso testemunho para jogá-los no esquecimento absoluto”, continua o diretor.

María e Josefa involuntariamente heroínas.

María e Josefa, heroínas sem querer.

Mais tarde, caíram no anonimato... Toda essa atenção não reclamada foi somada ao trauma pós-traumático que sofreram com a experiência de resgate, transformando-as em heroínas (a ideia da instrumentalização do herói nas tragédias, intimamente ligada à crise atual, é um tema essencial no filme), juntamente com aquela idiossincrasia galega no fundo, que foi ampliada porque essas mulheres eram analfabetas intelectuais e emocionais que sempre viveram naquela pequena ilha. “Suponho que devem ter sentido desconforto, continuaram a viver na ilha, e depois foram viver para o litoral, o dinheiro que ganhavam com os tributos era investido em propriedades, pequenas casas...”, revela Paula Cons.

UMA ILHA AINDA SELVAGEM

Sálvora pode ser visitada hoje com licenças especiais em barcos particulares ou em barcos que depois dão a conhecer a ilha em visitas guiadas e uma lotação diária máxima entre 150 e 250 pessoas durante todo o ano. Não dá para passar a noite lá, não tem nem banheiro nem água potável. O que resta é o farol (o novo, ao qual o oculista acabou chegando), o Paço del Marqués, a capela (que antigamente era a taverna dos pescadores) e as ruínas da aldeia de colonos, onde viviam aquelas três mulheres e que foi abandonada pelos últimos colonos em 1972.

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As praias de Salvora.

a ilha foi propriedade da família Otero, o Marquês de Revilla, até 2007 quando a Caixa Galicia a comprou. o senhor da ilha usei como campo de caça e é por isso que ainda há veados por lá, que ele mesmo levou para caçá-los mais tarde. Os colonos que ali viviam foram obrigados a dar-lhe uma parte do que obtiveram da terra. Era um sistema praticamente feudal que sobreviveu até recentemente lá.

A parte positiva desse regime terrível? A ilha permaneceu praticamente selvagem até hoje. “A ilha é tremenda, tem essa pureza porque não há nada moderno, não há nem um cabo. A interferência máxima foi o rastro de um avião”, diz Cons.

Precisamente por isso e pelas dificuldades meteorológicas e marítimas para chegar à ilha todos os dias (são 50 minutos de barco da Ribeira ou O Grove), não conseguiram rodar todo o filme em Sálvora. “Estivemos lá por várias semanas, mas também filmamos em São Vicente do Mar, que tem as mesmas pedras, boliche. Aliás, o curioso é que, em algumas sequências, **quando você pensa que está em Sálvora o que você vê ao fundo é Sálvora”. **

a ilha das mentiras estreia em 24 de julho no Filmin e participará do Festival de Cinema de Xangai.

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Darío Grandinetti e Nerea Barros na aldeia de Sálvora.

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