'Vostok nº20', a bordo do comboio de Moscovo a Pequim

Anonim

Vostok Nº 20

De Moscou a Pequim de uma ninhada.

"Como vai passar o tempo?", pergunta um dos trabalhadores da Vostok 20 aos passageiros que não querem levar nenhuma das revistas, jornais ou palavras cruzadas que ela distribui na primeira e na segunda classe do trem. Eles apenas começaram a viagem acabaram de sair de Moscou e têm cinco noites e seis dias pela frente nesse mesmo trem até chegarem a Pequim, naqueles pequenos espaços, nos quais, aliás, desde o ano passado é proibido fumar ou beber álcool.

A viagem pode ser mais pesada para os passageiros de terceira classe que viajam naqueles vagões cheios de beliches visíveis (54 por carro), sem privacidade, Alguns conversam, outros tocam música, meninas e meninos pulam de uma cama para outra, uma das damas tenta atravessá-la pedindo que, por favor, a mantenham limpa. Há muito pela frente. Há muita Rússia para atravessar, paisagens desertas, paisagens nevadas e, de repente, uma casa no meio do nada, alguém que mora lá sozinho o ano todo. "Esta é a Rússia", ri um jovem russo. "Não há nada em 100 quilômetros ao redor e um cara vai e constrói uma casa."

Vostok Nº 20

Depois da Rússia, passa pela Manchúria.

Esta é a Rússia e foi assim que a cineasta Elisabeth Silveiro quis capturá-la à sua distância pessoal, balançando as imagens fora e dentro do trem com poesias recitadas pela atriz Fanny Ardant. De mãe russa e pai brasileiro, o diretor nasceu naquele imenso país, e ela pegou esse trem mais de uma vez quando criança para ir ao mar com sua mãe. "Não foi muito tempo, foram três dias de viagem, mas ir todos juntos, partilhar comida, com a guitarra, ficou comigo toda a minha vida", explica de Valência, onde esta semana apresentou o seu filme, Vostok Nº 20, no Festival Internacional de Médias-Metragens de La Cabina (e pode ser visto no Filmin até 30 de janeiro).

Vostok Nº 20

Esses pequenos espaços tornam-se um universo inteiro.

Relembrando aquelas viagens de infância, decidiu voltar a apanhar o comboio para dedicar um filme “às mulheres que nele trabalham”. Mulheres que deixam a vida congelada a cada semana que embarcam por tanto tempo, trabalham em turnos de 12 horas e descansam outras 12, nas quais cozinham, comem, leem e, sobretudo, dormem.

Silveiro, com a câmera e o operador de som com quem viajava, gravou essas mulheres, entrevistou-as, observou em silêncio, mas ao voltar da viagem percebeu que tinha mais material para outro filme: O que ela realmente conseguiu nesses seis dias e cinco noites foi um retrato daquela Rússia que ela havia abandonado há tanto tempo. (mora na França agora) através de passageiros de terceira classe, trabalhadores que viajam nela não por turismo, mas por obrigação, ficam em paradas intermediárias ou vão a Pequim, compartilham comida, música, anedotas de outras viagens e descem em cada parada para fumar ou compre peixe seco, fruta...

Vostok Nº 20

Turnos de 12 horas e pausas de 12 horas, a vida em um trem.

"Eu estava com medo de que as coisas tivessem mudado naqueles trens, mas tudo continua o mesmo", Ele conta e conta quando fez as viagens com a mãe: “Serão 20 anos. De fato, em uma exibição do filme na França, uma mulher me abordou e me disse que ela estava na Vostok há 20 50 anos e ainda era exatamente a mesma”.

Uma metáfora daquele país que ainda está, de alguma forma, ligado ao passado de sua grandeza, como diz um passageiro. "Não entendo por que as pessoas deixam a Rússia para sempre, não entendo por que minha cunhada sai de férias para a Grécia ou a Turquia, se a Rússia é muito bonita", diz ela para a câmera entre sorrisos.

A Rússia que permanece a mesma e a Rússia que se moderniza. "Já existem trens muito mais modernos que fazem esse mesmo trajeto", explica Silveiro. "E talvez em 10 ou 20 anos esse trem que aparece no filme não exista mais."

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