Um passeio entre os túmulos com a escritora Mariana Enriquez

Anonim

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enríquez

O histórico Cemitério de Highgate, no norte de Londres, abriga os túmulos de figuras notáveis, de Karl Marx ao cantor George Michael.

A escritora Mariana Enriquez sempre foi atraída por cemitérios. Desde adolescente, gostava deles pelo sentido estético e pela transgressão que acarretam, pois significavam para ela um lugar jovem e ousado. Mas depois, essa ligação íntima com os cemitérios também se relacionou com a história de seu país, a Argentina.

“Toda a minha infância foi vivida durante a ditadura argentina, que, entre muitas outras coisas, fez desaparecer corpos. A ideia de um cemitério e uma sepultura parece-me triste, mas no sentido político parece-me o fim. É assim que se deve terminar, ou da maneira que você preferir, mas nunca arrebatado pelo autoritarismo político”. explica o autor do aclamado título de terror Nossa parte da noite (Anagrama).

Uma conclusão a que chegou no funeral da mãe de um amigo seu desaparecido durante a ditadura e de onde eles mais tarde recuperaram seus ossos. “Aquele enterro”, lembra Enríquez, “produziu um sentimento de alívio em todo o mundo e o cemitério virou uma espécie de festa. Lá percebi que além da paixão estética, os cemitérios estavam relacionados à minha história pessoal.

Um passeio entre os túmulos com a escritora Mariana Enriquez

Mariana Enriquez é autora de 'As coisas que perdemos no fogo' e 'Alguém anda sobre seu túmulo'.

E desse duplo sentido nasce seu último livro Alguém anda em seu túmulo (Anagrama), uma obra em que narra em primeira pessoa sua experiência em 24 cemitérios do mundo. Assim, ele não apenas explica como são os cemitérios que visita, mas também uma análise sociopolítica completa dos países e cidades onde estão localizados.

“Há uma coincidência sociológica com o lugar que é muito clara. Na entrada estão todos os ricos com seus mausoléus, depois a classe média com seus túmulos bonitos, mas modestos, e finalmente os pobres com seus nichos." aponta o escritor. “O interessante é quando alguém com dinheiro entra nos mausoléus com uma estética diferente. Você vê muito na Espanha, por exemplo, com os túmulos dos ciganos. Esses contrastes falam da composição da cidade e como eles estão mudando. E das ideias que as pessoas têm”.

Cemitério da Recoleta Junin Buenos Aires Argentina

Cemitério da Recoleta, Junin, Buenos Aires, Argentina

As diferenças e semelhanças que os cemitérios guardam

À medida que avançamos no livro, percebemos que cemitérios ao redor do mundo têm muitas semelhanças entre eles. Mesmo que sejam culturas muito diferentes. Por exemplo, Na Ilha Rottnest, na Austrália, e na Ilha Martín García, no Rio da Prata, há um cemitério indígena em ambos os lugares que esteve escondido por muito tempo. Um fato que tem a ver com o genocídio que esses países sofreram e que mostra que eles ocorrem muitos paralelos nos cemitérios de diferentes partes do globo.

Algumas correlações que ocorrem especialmente em a terra das lendas urbanas que por elas circulam. Há duas que se repetem muito e das quais o escritor duvida que não exista um cemitério “que não tenha uma destas duas lendas”. A primeira refere-se a um rapaz que conhece uma rapariga num cemitério e passam a noite juntos. Ao amanhecer, ao acordar, descobre que ela está morta. “Essa história ocorre principalmente naqueles que têm uma estátua de uma mulher morta”, diz o escritor.

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Sepultura de Serge Gainsbourg no cemitério de Montparnasse em Paris.

A outra lenda que se repete muito é a do morto que faz milagres. Uma história que surpreende o escritor porque às vezes aparece inesperadamente e é representada em corpos muito diferentes. “No cemitério chileno ele é índio, mas no de Barcelona é uma criança”, diz. Uma série de histórias que ele gosta muito porque através delas ele pode “veja as fantasias que as pessoas têm com a morte e as narrativas coletivas. Cemitérios são um dos lugares onde certas histórias ainda são mantidas que têm a ver com a oralidade em contexto urbano”, aponta.

Mas, Assim como eles têm semelhanças, eles também contêm muitas diferenças. Assim, por exemplo, existem cemitérios vazios e outros que são muito visitados pelas famílias dos falecidos ou por serem destinos turísticos. “Você encontra lugares totalmente vazios e lugares extremamente lotados, como se fossem um museu cheio de peças famosas. Como o cemitério da Recoleta em Buenos Aires. Encontrar as diferenças e as continuidades me empolgou. Também as histórias de personagens anônimos que alcançaram fama após a morte”, sustenta o escritor.

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Estátua no Cemitério de Nova Orleans.

A arte que os cemitérios valorizam

Os cemitérios que aparecem no livro são lugares monumentais, como Gênova ou Lima, mas também pequenos lugares com uma grande história ao seu redor, como a dos pioneiros da Austrália. Todos eles especiais à sua maneira e onde a arte popular encontra a do próprio cemitério. Um fato que cria um grande contraste.

“Nos cemitérios que visitei há desde capelas neoclássicas a formas de arte popular. Ou seja, as pessoas deixam suas decorações fora dos grandes mausoléus”, diz o escritor. Arte popular realmente impressionante, como a do cemitério de Nova Orleans, onde um homem decorava os túmulos. Mariana Enríquez descreve sua arte como “esculturas malucas, onde ela colocava restos, coisas do lixo, uma infinidade de cores. Ele até foi oferecido para expor em museus, mas ele era um homem desequilibrado e eu não acho que ele poderia se comprometer a expor sua arte. Para ele não era nem arte. Ele diz.

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Mariana Enriquez no cemitério de Highgate em Londres.

Um tipo de arte que floresce sobretudo nos túmulos dos ídolos populares, a quem seus fãs trazem presentes. Como o túmulo em Montparnasse de Serge Gainsbourg, um dos músicos mais importantes da França, que é uma verdadeira montanha de flores onde as pessoas deixam fotos “A coisa mais próxima que vi é a de Oscar Wilde no cemitério Père-Lachaise em Paris, que não coloquei porque já há muito escrito sobre isso. É um túmulo espetacular, com uma esfinge egípcia. Quando eu fui, as pessoas o beijaram. E a maioria deles eram homens. Pintaram os lábios e foi um ritual, não tanto um fã, mas um ícone gay que havia sido perseguido e exilado. Esses casos são muito perturbadores e ajudam a relacionar-se com o meio ambiente e os mortos por afeto sem o tabu da morte, mas sim como uma visita respeitosa e alegre”. Ele diz.

E, de todos os visitados, com qual Mariana fica? Ela os tem claro. “Por diferentes razões, a de Gênova. Foi um dos primeiros que visitei com esse nível de espetacularidade e porque tinha uma história com um menino lá. Também o de Lima, porque é muito raro, muito grande, muito espetacular e eu estava muito sozinho e coisas estranhas aconteceram com um homem que me mostrou uma caveira. E talvez Highgate em Londres, porque é um lugar muito legal, é pensado como uma espécie de castelo ao ar livre”, termina.

Alguns cemitérios eles têm muito a ver com o que ela vivenciou em cada um e que agora temos a oportunidade de revivê-los através deste livro em particular.

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Anagrama

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Um passeio entre os túmulos do mundo inteiro com a escritora Mariana Enriquez

Consulte Mais informação