Aquele parcheesi em Tânger

Anonim

Tânger do terraço da boutique Majid.

Tânger do terraço da boutique Majid.

Como um viajante curioso, adoro aviões, carros clássicos, romances de espionagem... Esse desejo pelo misterioso foi o que me levou a Tânger. Ao chegar ao aeroporto Ibn Battuta e entrar em um Mercedes 300 com forte cheiro de tabaco, soube imediatamente que esta cidade, ponto de encontro de informantes e agentes de inteligência durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, isso me cativaria.

Imediatamente chegamos ao riad Aux 3 Portes. Seu proprietário, Jean Louis Riccardi, transformou sua espetacular casa no hotel mais especial de Tânger, cheio de nostalgia e exotismo. A sua devoção a este lugar é tal que Jean Louis assegura que "amaria Tânger mesmo que fosse surdo e cego".

O prestigiado decorador francês, o mesmo que há vinte anos deu vida às boutiques Christian Lacroix e Givenchy em Paris, ele recebe seus convidados em seu riad de sete quartos como se fossem da família. Chás de menta, lençóis de linho e livros de Tenesse Williams na mesa de cabeceira são alguns dos detalhes atenciosos que você encontra na chegada. E um pequeno e delicioso hamman.

Convite à leitura no riad Aux 3 Portes.

Convite à leitura no riad Aux 3 Portes.

Ainda me lembro com certa saudade daqueles cafés da manhã e vistas relaxantes do Estreito de Gibraltar a partir da piscina. Também a minha primeira visita ao souk quando, caminhando pela rue de la Marine, vimos uma porta entreaberta que não hesitamos em empurrar.

Era o Café Tingis, sem placa na entrada e mal iluminado, tão decadente e elegante, e com um café sublime. Os clientes, principalmente de Tânger, conversando e jogando Parcheesi, pareciam sair das páginas de On the Road, de Kerouac, ou El café de las golondrinas, de Mariano Fortuny.

Sandálias Duarte num quarto do riad Aux 3 Portes.

Sandálias Duarte num quarto do riad Aux 3 Portes.

Depois do café e do jogo Parcheesi, a próxima parada: a butique Majid, que tantas pessoas recomendam. Resolvi julgar por mim mesmo. Seu dono, Abdel Majid, nos recebe com um olhar altivo e nada agradável, mas depois de fazer alguns comentários e perguntar sobre os tecidos e materiais, algo me disse que íamos nos dar bem. Ele é íntimo de Mick Jagger!

Ele nos mostra o premiado andar de cima de sua loja e me oferece um cigarro de seu estranho cachimbo. É lá que as sensações voam: algodão do Atlas, lã de Fez, tapetes berberes tecidos à mão, infinitas roupas de casa e uma seleção espetacular de joias e fósseis. **

abdel conta anedotas de sua amizade com o líder dos Rolling Stones, o duque e a duquesa de York, a princesa Lalla, David Herbert... e também todas aquelas festas frequentadas pelas estrelas dos anos 60 e 70, quando escolheram esta cidade para soltar o cabelo.

O nexo deste grupo de ouro foi Tessa Codrington, mãe da modelo Jacqueta Wheeler, que fotografou todo esse esquadrão glam em um livro que Abdel acaba tirando do armário para mostrar com orgulho as fotos em que aparece. Acho que nos demos bem, ele até me convida a voltar para compartilhar mais histórias e detalhes da vida de Tangerine.

O mítico símbolo Cinma Rif da época colonial de Tânger.

O mítico Cinéma Rif, símbolo da época colonial de Tânger.

É hora do jantar, então seguimos para Saveur de Poisson, em Escalier Waller, parada obrigatória para quem quer saboreie o melhor ensopado de tamboril e mako da cidade, cozido lentamente em uma panela de barro pelo simpático Hassan, que trabalha sem cardápio.

No dia seguinte, depois de tomar o café da manhã no terraço do riad, levo minha câmera para capturar cada detalhe e vista. De repente, um homem se aproxima para cumprimentar com euforia: "Salut, Marco, je suis Jean Louis!". Como eu queria conhecer o arquiteto dessa maravilha... tanto que acabamos conversando por quase duas horas. Depois de nos despedirmos, visitando o museu Kasbah e almoçando no restaurante Hamadi, onde a música berbere toca sem parar, partimos para barganhas infrutíferas nas várias lojas de tapetes da Medina.

Também passeamos pela rua dos falsários, onde o cheiro da fundição se mistura com o cheiro forte de cabeças de bode queimadas. À medida que nos afastamos da atmosfera rarefeita nos deparamos com o teatro Cervantes, um exemplo óbvio da gloriosa Tânger aquele dia foi, tal como o mítico Cinéma Rif, um dos locais preferidos dos estudantes e visitantes europeus e ponto de encontro regular.

Vista da praça 9 de abril para a Mesquita Sidi Bouabid

Vista da praça 9 de abril para a Mesquita Sidi Bouabid

Na manhã seguinte, sucumbimos ao plano de domingo favorito de Tânger: vá para a praia de Achakkar. Antes disso, faremos um passeio de táxi pelo bairro de Marshan, onde estão localizadas as melhores** mansões de Tânger, incluindo a residência da família real.**

Do carro quase não se vê nada, só se sente um luxo que poucos têm acesso. Fazemos uma breve parada no Farol do Cabo Spartel e a caverna de Hércules, onde, segundo a lenda, o herói romano passou a noite depois de separar a Europa da África. Motivo suficiente para os turistas se aglomerarem como se o próprio Hércules estivesse autografando camisetas.

Chegamos ao hotel Le Mirage, tesouro da costa marroquina: arquitetura palaciana, um restaurante essencial, um lobby bar onde se pode ver e ser visto, e uma piscina semi-olímpica onde nos deliciamos com um merecido banquete de vitamina D.

É ali, cegado pelo sol, que paramos para pensar se a pele de Tânger, como a nossa, terá memória. E se esses raios, que hoje nos banham e nos lembram de ontem, encorajam a ideia de reviver aquela idade de ouro. Sem dúvida, o Tânger que era... também pode ser de novo.

Marco Llorente autor deste relatório no Museu Kasbah

Marco Llorente, autor deste relatório, no Museu Kasbah

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