'Sonhos esquisitos': a última viagem de Superlopez

Anonim

Na minha casa diziam 'Periplo bulgaro'. Colocando a ênfase na segunda sílaba, porque em nossa tenra idade, não tínhamos ouvido falar muito sobre Bulgária e, ainda que assim fosse, a conjunção com a palavra periplo, que nos era bastante estranha, criava confusão e nos fazia dizer errado o título do quadrinho de Jan.

Da mesma forma, eu diria 'A grande super-reprodução' em vez de O grande sucesso de bilheteria que é outra obra prima de Jan de 1984 cheia de frases para emoldurar, de “Lárme un cilindrín fotero” a “Mas o que exatamente uma roteirista faz?”, e meus irmãos estavam morrendo de rir com isso.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Algumas aventuras de Superlopez.

Então lemos os quadrinhos de 1990, é claro, a aventura do super-herói mais tradicional entre os campos de rosas e as catedrais búlgaras, enquanto procura um antídoto para um veneno Al Trapone. Uma criação de Jan que nos foi tão sugestiva quanto muitas de suas outras aventuras, quase sempre relacionadas a alguma viagem, que incendiou nossa imaginação.

Jan se despede de seu personagem mais amado, Superlopez

Jan se despede de seu personagem mais amado, Superlopez.

O genial Jan –pseudônimo de Juan López Fernández–, nascido em Toral de los Vados (León, 1939), criou o famoso personagem Juan López/Superlópez em 1973, um contador em um escritório de Barcelona que tinha uma identidade secreta super-heroica à qual nada dava certo.

Foi para alguns quadrinhos encomendados e inicialmente os enredos eram de natureza 'conjugal', embora logo se transformaram, quando começou a publicar com Bruguera, algo que ele fez de 1974 a 1985, tornando-se o último grande sucesso desta editora.

Ele nem sempre estava sozinho: o roteirista Efepé foi o 'culpado' de algum gênio nas duas entregas de o supergrupo, onde o herói foi acompanhado por outros colegas com superpoderes (e pernas ruins).

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Páginas de 'Hotel panic', uma aventura de Superlopez.

Após a falência da Bruguera, o personagem passou para as mãos da Ediciones B em 1987, tornando-se parte da marca multinacional desde 2017 Casa Aleatória do Pinguim. Curiosamente, este último recuperou o nome Bruguera como linha editorial, e é aí que nosso amado aventureiro termina suas façanhas.

Originalmente concebido como uma paródia espanhola do Superman, o personagem ganhava vida própria e se afastava desse tipo de humor para abordar muitos outros temas cheios de compromisso e crítica social, embora sempre com gags inesquecíveis.

O protagonista foi acompanhado progressivamente e com peso crescente por uma série de extraordinários ajudantes, entre os quais se destacam Luisa Lanas (uma espécie de Louise Lane nada rendida aos encantos de uma mediocridade como Superlópez, mas pelo contrário, sempre com um saco limpo); o alpinista mas cativante Jaime (Jimmy Olsen); Inspetor Hólmez (“Suspeito, suspeito, tomo nota”); o inventor maluco Escariano Avieso e seu chefe, Al Trapone; Chico Humitsec e Martha Hólmez; General Sintacha e um longo etcétera de descobertas. Entre eles, um imbatível: os petisos carambales ectoplasmáticos.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Jan, criador do Superlopez, muito obrigado!

Faz umas semanas, a editora anunciou o lançamento do que será o último quadrinho do personagem, sonhos geek, uma aventura de espada e feitiçaria sobre o assédio moral e machismo. O motivo? Aos 82 anos, Jan quer aposentar seu (nosso) amado Superlópez, embora em princípio não negue que outros artistas continuem fazendo isso.

Então, com toneladas de nostalgia, nós estamos prestes a nos despedir de um personagem que nos fez viajar pelo mundo (e outras galáxias, até o inferno), não sem antes fazer uma compilação dos destinos que mais gostamos na sua companhia.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Arte de Jan, o criador de Superlopez.

- BARCELONA (Os cabeçotes, 1983). Este retrato surreal da Transição ambientada em Barcelona é uma das peças mais lendárias de Jan (e uma das minhas favoritas). Apesar dos engarrafamentos e da poluição refletida, as vinhetas de Jan sobre Barcelona exalam amor por ela. E quem nunca disse 'um café com leite e um croissant' encostado na bilheteria do metrô?

- HOLLYWOOD (O grande sucesso de bilheteria, 1985). Como esse gênio pode ser uma obra de 1985? Li-o hoje e ainda me parece uma fabulosa expansão dos assuntos atuais. Hollywood mal sai, mas a história nos leva para o mundo do cinema, as estrelas e, aqui está a grande coisa, tudo por trás de um grande (ou terrível) filme.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Covers de 'A gangue do dragão desgrenhado' e 'Um camelo pegou um bonde...'.

- PARA O CENTRO DA TERRA (Para o centro da terra, 1987). Inspirado no romance de Júlio Verne, este título talvez seja um dos que mais lemos em casa, até tentamos imitá-lo em uma história em quadrinhos desenhada por nós. Os hambúrgueres que os protagonistas tomam para evitar a fome durante a aventura se tornaram uma pequena obsessão embora, como costuma acontecer nestes casos, não existisse nenhum na realidade que se aproximasse do sabor que imaginávamos...

- BULGÁRIA (Passeio búlgaro, 1989). A Catedral Alexander Nevski em Sofia, a geléia de rosas (eca!), as casas de Plovdid... Uma das brochuras turísticas mais completas de janeiro também é uma ode (ou antíodo) aos pacotes turísticos.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Páginas de 'Na terra dos jogos...', uma das obras-primas de Jan.

- ENGANAR (Na terra dos jogos, o caolho é o rei, 1988). "Quero um banho e vou jantar", desabafou Luisa com raiva na recepção de um dos hotéis nesta aventura não tão luxuosa. Uma fuga dos casinos, bom tempo e muita corrupção, para acabar por dizer que... 'Não sou estúpido'.

- CAMPRODÃO (Os porquinhos de Camprodon, 1989-1990). Depois de uma visita a esta cidade no norte da Catalunha, o cartunista concebeu uma história ambientada neste ambiente, anteriormente tirando centenas de fotografias. Os famosos porcos maçapão (presentes nesse enigma, "debaixo da ponte há um 'serdo', e com o 'serdo', um vírus") virou ícone na casa desse jornalista, a ponto de a folia irromper quando Um dos meus irmãos recentemente trouxe os autênticos porcos Camprodon para uma reunião de família.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Capas de 'Periplo bulgaro' e 'The cubeheads', de Jan.

- JAPÃO (O bando do dragão desgrenhado, 1990). Uma viagem de negócios ao país japonês terminará em conflito com a yakuza e em pretexto para retratar costumes e paisagens do Oriente.

- O HOTEL DO PÂNICO (Pânico no hotel, 1990). Poucas coisas são mais sugestivas do que a ideia de uma noite tempestuosa que leva a uma noite improvisada em um hotel decadente em que coisas muito estranhas acontecem. Em casa ficamos obcecados com essa ideia de viagem-aventura, e ainda me delicio de vez em quando com o desenho de Jan daquele quarto de hotel spa em ruínas.

- GRENOBLE (Um camelo entrou no bonde em Grenoble e o bonde está mordendo sua perna, 1991-1992). Se lhe oferecerem chocolate, digamos… laranjas! O autor, que até abordou o tráfico de crianças em A Mansão Fantasma (2002), frequentemente incluiu mensagens antidrogas nas aventuras de Superlópez. Esta caricatura também foi uma desculpa para sonho de feiras de quadrinhos e trens, como aconteceria mais tarde com Assassinato no Expresso Toral (2012), uma homenagem ao trabalho de Agatha Christie.

'Freak sonhos' o adeus de Superlopez

Capa de 'Sueños frikis', o último álbum do anti-herói mais amado.

- O INFERNO (O inferno, mil novecentos e noventa e seis). Este é um dos trabalhos que Jan diz ter mais orgulho e, claro, é um dos mais relevantes. Seu roteiro é cheio de humor e tensão dramática, bebidas de A Divina Comédia de Dante, O diabo coxo por Luis Vélez de Guevara e Fausto de Goethe. Uma descida ao inferno, uma viagem sem volta?

Este é o nosso ranking, mas Jan também nos levou em uma viagem ao México (El Tesoro de Ciuacoatl, 1992), outro grande exemplo da grande trabalho de documentação do autor, que é completamente surdo desde os 6 anos de idade. Tanto o ambiente quanto as roupas dos personagens evoluem a cada aventura, sempre com extrema atenção aos detalhes.

Também seguimos a 'super classe média' para Arles (The Yellow House), Tunísia (para The Sand Castle), Andorra (The Flying Mountains)... Ele confessou estar ciente dos danos que os países recebem dos turistas, o que o fez repensar suas escapadas.

É inegável – e foi dito pelo próprio autor – que as vendas não são o que eram. Os tempos mudam, mas devemos gratidão eterna à mente que concebeu gênios como O Senhor dos Pirulitos, A Caixa de Pandora, A Semana Mais Longa, Os Alienígenas... com a qual continuaremos rindo, pensando, viajando, para sempre.

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