Sobre Woody Allen: de Nova York a San Sebastian

Anonim

Memórias de Woody Allen

Uma cena de 'Manhattan' (1979).

Ao mencionar Woody Allen, a mente imediatamente viaja para Nova York, a cidade magnética que povoou tantos de seus filmes. Lendo sua autobiografia Apropos of Nothing (Publishing Alliance), o leitor é inundado com aquelas vistas icônicas dos imponentes arranha-céus do Upper East Side, as cores vivas do Central Park ou as cenas românticas com a Ponte Queensboro ao fundo, mas acima de tudo é palpável o amor inabalável que o diretor sente pela cidade onde nasceu.

Aquele menino que, segundo ele mesmo diz, ele sabia escrever antes de ler e que era um péssimo aluno apesar de ter um QI alto, ele era bastante solitário e seus pais nunca o levavam a uma exposição ou museu.

Impossível não escapar do leitor mais de uma risada com a forma como o também roteirista e ator relembra sua infância no Brooklyn, onde sonhava fascinado com a glamorosa Manhattan que via nos filmes do cinema de seu bairro nos anos 40. Até os sete anos não cruzou o rio que separa seu bairro do coração da Big Apple e aos 11 já fugia regularmente da escola percorrer suas ruas.

Memórias de Woody Allen

A tão esperada autobiografia de Allen, um fenômeno neste verão.

Há muitas razões para ler. a autobiografia do neurótico nova-iorquino e aqueles que procuram a curiosidade de sua resposta à acusação de abuso de sua filha adotiva Dylan, você pode pular diretamente as primeiras 250 páginas (mais ou menos) das 439 que o livro tem e que Já está em sua quinta edição na Espanha. Mas, além de ser uma pena perder a forma como ele descreve esse menino tímido que rompeu com seu espirituoso senso de humor, o leitor, seja ou não fã de seu cinema, vai entender como tanto Nova York quanto as outras cidades em que ele fotografou acabam sendo mais um personagem em seu filme, não apenas uma mera decoração.

Allen, cujo único atributo reconhecível é ter um par de óculos de aro preto, juntamente com uma habilidade para se apropriar de citações acadêmicas tão complexas que ele nem mesmo entende, mas com as quais pode dar a impressão enganosa de que sabe mais do que sabe, Ele conta que começou a ler e ouvir música além do jazz, sua outra grande paixão, para flertar com as garotas boêmias de que gostava.

Memórias de Woody Allen

No Festival de Cinema de Cannes, em 2016, com a equipe 'Café Society'.

Também, Alguns desses museus que interessam aos protagonistas dos seus filmes eram-lhe conhecidos desde criança, mas não por um interesse artístico inato, mas porque eram seu refúgio quando fugia do tédio da escola, pois eram baratos e no inverno havia aquecimento. O MoMA, por exemplo, ele gostava especialmente porque ficava para as sessões de cinema.

Museus, livrarias, cinemas de bairro, restaurantes icônicos e hotéis emblemáticos de uma Nova York que não existe mais desfilam pelos primeiros filmes do diretor. Com seu cinema, muitos espectadores tiveram a sensação de conhecer a Big Apple como se fosse sua própria cidade. Além disso, ao rodar praticamente um filme por ano desde o final da década de 1970, o espectador tem sido testemunha direta da transformação desta cidade fascinante.

"Meus personagens acordam e as cortinas de seus quartos se abrem para mostrar a cidade de Nova York com seus prédios altos e cada uma das possibilidades excitantes que oferece (...)", Allen explica na autobiografia.

Woody Allen

No mítico 'Annie Hall', com Diane Keaton.

Impossível não ser cativado pela Manhattan que mostra, razão pela qual inúmeros roteiros turísticos incorporaram cantos escolhidos pelo diretor. Inclusive foi publicado um guia há dez anos com os lugares mais marcantes da cidade que apareceram em seus longas-metragens: A Nova York dos filmes de Woody Allen (editorial ELECTA).

O cineasta diz que o que tentou fazer com Manhattan nos filmes ambientados em Nova York é “mostre com amor”, máxima que ele também replicaria nas outras grandes cidades que abraçaram seu cinema.

Foi precisamente a sua estreia atrás das câmaras, What's New Pussycat?, que o levou a viajar pela primeira vez para o estrangeiro. A comédia foi filmada na França em meados da década de 1960 e permitiu que ele conhecesse o corpo do rei em Londres, Paris e Roma, cidades que várias décadas depois o receberiam como membro do clube exclusivo daqueles grandes mestres com quem a aristocracia hollywoodiana anseia por trabalhar.

Woody Allen Oviedo

Com a sua estátua, em Oviedo.

Ele amava Londres –diz em sua autobiografia–, Paris foi "amor à primeira vista" e Roma "cumpriu todas as expectativas". A varinha mágica neurótica de Allen tocaria todas essas capitais, apesar do fato de que, segundo ele mesmo, ele sofre de ansiedade se não estiver "a poucos passos do hospital em Nova York".

Em meados dos anos 90, quando já havia estourado o escândalo sobre o suposto abuso de sua filha (que as autoridades posteriormente descartaram) e seu relacionamento com Soon-Yi, sua atual esposa, irmã de Dylan e filha adotiva de sua então parceira Mia Parir, A Europa, aquele território onde o diretor era reverenciado, tornou-se uma espécie de refúgio trabalhista.

Ele filmou o musical Everybody Says I Love You em Paris, Veneza e Nova York e o fez incorporando lugares altamente identificáveis como a Ponte Rialto ou o Grande Canal em Veneza, o Teatro Nacional Chaillot em Paris ou a Quinta Avenida em Manhattan. Seu mérito foi que esses lugares foram integrados à trama, longe de parecer uma sucessão de cartões-postais.

“O que você pode dizer sobre um filme cuja realização envolve tem que trabalhar em Veneza, Paris e Manhattan e beijar Julia Roberts? Foi um prazer do início ao fim”, diz Allen na autobiografia.

Woody Allen fã de Barcelona e Hotel Arts

No set de 'Vicky, Cristina, Barcelona'.

“(…) me dei o prazer de trabalhar em cidades que amava e mostrar Manhattan durante as quatro estações, uma ilha que dá gosto de fotografar em qualquer época do ano. É por isso que eu digo isso Para mim, a única diversão no mundo do cinema está na realização do filme. No ato de trabalhar, acordar cedo, fotografar, desfrutar da companhia de homens e mulheres brilhantes, de resolver problemas que não são fatais se você não os corrigir, de ter ótimos figurinos e músicas fabulosas”, completa o cineasta, também resumindo sua concepção do trabalho.

Alguns anos depois, em 1997, a romântica cidade dos canais foi o lugar escolhido para se casar com Soon-Yi. Além disso, ele voltaria várias vezes para estrear seu novo filme no Festival de Veneza. A lua de mel foi passada no Ritz em Paris.

O sucesso de alguns filmes rodados fora de sua amada Manhattan o fez começar a ligar de diferentes países para financiar seus filmes em troca de filmar lá. “Fiquei mais do que feliz em poder trabalhar assim e minha esposa adorou a oportunidade de morar no exterior com as meninas. e realmente conhecer culturas diferentes”, explica.

Meia Noite em Paris de Woody Allen

'Midnight in Paris', a carta de amor de Woody Allen à capital francesa.

O importante para o diretor era poder viver "decentemente" com sua esposa e duas filhas (adotivas) durante os três ou quatro meses que levou para rodar o filme. “Londres foi um prazer; Barcelona, um sonho. Se eu tivesse recebido uma oferta de, digamos, Thiruvananthapuram, certamente teria recusado. Quando me chegaram sinais de Paris, prometendo que eu poderia filmar lá com todas as facilidades e total cooperação, Você pode imaginar a rapidez com que tirei o contrato do bolso de trás e assinei." conta no livro.

O turismo na capital francesa também se beneficiou da atração que Woody Allen supôs para plantar sua câmera em determinada cidade há algum tempo. O sucesso de Meia-Noite em Paris e a sucessão de lugares emblemáticos que aparecem no filme como a catedral de Notre Dame, o museu Rodin, o museu Orangerie ou a praça Vendome, levaram à criação de um roteiro turístico com os lugares onde filmou o Nova-iorquino

E o mesmo aconteceu anos antes com os filmes rodados em London Match Point e Cassandra's Dream, assim como com Vicky Cristina Barcelona, o filme que deu o Oscar a Penélope Cruz, que despertou ainda mais o interesse pela capital catalã e colocou a “adorável cidade de Oviedo” na órbita de Hollywood. como o próprio diretor descreve.

A capital asturiana decidiu erguer uma estátua em homenagem ao realizador, que garante que não fez nenhum mérito para que uma reprodução fiel da sua figura o fizesse entrar para a história. "Oviedo é um pequeno paraíso, só estragado pela presença antinatural de uma imagem de bronze de um pobre infeliz."

O realizador, que nunca mais vê os seus filmes depois de terminados e falta-lhe confiança nos prémios, conta também que anos antes já tinha estado naquela cidade para receber o Prémio Príncipe das Astúrias das Artes apesar de sua resistência a prêmios.

Woody Allen dirigindo Penlope Cruz

Com Penélope Cruz no set de 'A Roma con amor'.

Depois de reviver a polêmica sobre as acusações de abuso da filha, que resultaram no cancelamento de contratos e na impossibilidade de lançar seu penúltimo filme nos Estados Unidos, o diretor teve a oportunidade de voltar a trabalhar na Espanha. Agora resta saber como ele mostrará San Sebastian, o cenário escolhido para rodar seu último filme Rifkin's Festival, estrelado por Elena Anaya, Sergi Lopez, Christoph Waltz e Louis Garrel, entre outros. Esta comédia romântica abrirá o Festival Internacional de Cinema em 18 de setembro de São Sebastião.

Em sua autobiografia, Allen diz que adora filmar cidades, ele adora capturar “o movimento, a animação, a vida na rua. E, debaixo da chuva, com toda aquela melancolia”. A bela Donostia tem todos esses ingredientes, então teremos que esperar até setembro para descobrir se o toque mágico de Woody Allen pode dar um brilho renovado.

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