Horário de verão na Côte d'Azur, segundo um cartaz turístico da época.
Em 1925, num ataque de ciúmes, Zelda Fitzgerald atirou-se escada abaixo do lendário restaurante La Colombe D'Or, em Saint-Paul-de-Vence. A razão para uma reação tão dramática? Testemunhando como F. Scott Fitzgerald acariciava com ternura uma Isadora Duncan envelhecida e obesa. A história é recolhida por Giuseppe Scaraffia em O romance da Côte d'Azur (Periférico), uma fascinante compilação de fatos reais –daqueles que superam a ficção– que ocorreram a centenas de personagens na Riviera Francesa: Chekhov, Maupassant, Zweig, Nietzsche, Picasso, Nabokov...
De todos aqueles que desfilam pelas suas páginas contribuindo para o mito deste destino mediterrânico, o escritor de Turim destaca-se, talvez, com Scott Fitzgerald e sua esposa, "dois lindos e amaldiçoados entregues a uma corrida imparável rumo à autodestruição". Além disso, Zelda foi uma das primeiras (e sofisticadas) turistas nessas pequenas cidades onde foi torturada por mosquitos e não conseguiu encontrar gelo para sua bebida, o que não desanimou outras socialites dispostas a descobrir o prazer delicioso de viajar para lá.
Zelda, Scott e Scottie Fitzgerald em Juan-Les-Pins.
Escritores e artistas vieram atraídos pelo silêncio e natureza exuberante do sul da França. "Isso obriga a um estado de admiração permanente", escreveu Marina Tsvetaeva, abalada, em 1935, embora não tenha chegado ao extremo de Somerset Maugham, que cobriu a janela de seu escritório com tijolos para não se distrair com a paisagem.
Dentro Sanary, que se tornou a capital da literatura alemã, Ludwig Marcuse passou seis anos no exílio –“Tudo era azul, exceto nossas almas [...] Estávamos no paraíso contra nossa vontade”–, enquanto Paul Éluard capturou essa melancolia sensual em Mougins: “Se eu pudesse comprar as coisas que mestre , há muito eu teria sido arruinado com água, sol e amor”.
A romancista, jornalista e artista Colette nos dias da Côte d'Azur.
Mas onde Cocteau conviveu com uma ex-imperatriz octogenária Eugénie e a aristocracia curtiu o sol e o mar, todos também se deleitaram com um fator interessante: “A Côte d'Azur era perfeita pela sua dupla natureza de paraíso na terra e um lugar livre dos preconceitos e regras da cidade”, explica Giuseppe. "Um espaço irresistível para que a fidelidade vacile e os casais se dissolvam sob o sol eterno e o calor da tentação."
Nos cartazes e folhetos que anunciavam a linha férrea que ligava Paris a Nice desde o final do século XIX, lia-se: "Em apenas uma noite, o país dos sonhos". E eram sonhos molhados... já que os carros estavam cheios de encontros ardentes envoltos em um pacto de silêncio.
Cartazes turísticos antigos para promover a Côte d'Azur.
Se o desejo é, como dizem, o oposto da morte, faz sentido que a foice estivesse escondida na Côte d'Azur, seja nos cemitérios bem acima das aldeias ou nas vestes pretas Vionnet usadas por Catherine Pozzi, que, como muitos outros, uma casa “feia, estúpida e burguesa” foi comprada lá.
Muitos eram os ricos tuberculosos que buscavam recuperar a saúde através do ar puro (Aubrey Beardsley e Katherine Mansfield, por exemplo). Outros queriam reparar as rachaduras em sua vida amorosa ou sexual e originaram todo tipo de situações ficcionais: de uma orgia do Marquês de Sade em Marselha que acabou no tribunal até a troca de namorados dos irmãos Klaus e Erika Mann, na década de 30.
Os ricos e influentes procuraram recuperar a saúde na Côte d'Azur.
Foi em Roquebrune-Cap-Martin que o 2.º Duque de Westminster mandou construir uma villa para Coco Chanel por amor que reproduzia a escadaria do orfanato onde passou a sua triste infância.
Lá Gabrielle colocou o bronzeamento na moda (os operários não viam a luz do sol, então brindar na costa francesa se tornou um sinal de status) e também teve sua parcela de culpa pela popularização das calças palazzo e alpargatas. Uma curiosidade: Juan-Les-Pins foi rebatizado de 'Pijamópolis', dada a roupa leve de seus habitantes.
A ideia de colecionar essas histórias suculentas veio a Scaraffia “de um sentimento recorrente. Quando visito um lugar, costumo pensar em quem passou, viveu ou amou por lá. Parece-me que eu poderia encontrar, ao virar da esquina, Hemingway um pouco bêbado ou Jean Cocteau e seu passo de dança”.
Coco Chanel colocou o bronzeado na moda por lá, o que se tornou um sinal de status social.
Na forma de microensaios organizados por cenários – Cap-Martin, Monte Carlo, Cap-D'Ail, Beaulieu, Villefranche-Sur-Mer, Cap-Ferrat, Vence, Nice, Vallauris, Cannes, Saint-Tropez, Hyères. ..–, as anedotas formam um mosaico que o leitor pode ordenar como preferir.
“Fui atraído pela ideia de trair o tempo com o espaço. De mostrar um jovem em Menton ao mesmo escritor que mais tarde parece maduro em Saint-Tropez. De Simenon apaixonado pela vida primitiva na ilha de Porquerolles àquele outro dividido entre trabalho e sexo, que traiu obsessivamente a esposa. Cada traição a recompensava com uma bolsa Hermès, e Madame Simenon rapidamente adquiriu uma bela coleção”.
Haverá outro lugar como este no mundo? "A única capaz de competir é Capri, onde não é por acaso que depois encontramos quase todos esses personagens." Mas Françoise Sagan já dizia: "As pessoas costumam escrever histórias épicas daqueles anos em Saint-Tropez, mas... Éramos apenas pessoas felizes!”
***** _Esta reportagem foi publicada no **número 130 da Revista Condé Nast Traveler (julho-agosto)**. Subscreva a edição impressa (11 edições impressas e uma versão digital por 24,75€, através do telefone 902 53 55 57 ou do nosso site). A edição de julho-agosto da Condé Nast Traveler está disponível em sua versão digital para você curtir em seu dispositivo preferido. _
Capa do romance da Côte d'Azur (Periférica), de Giuseppe Scaraffia.